IGREJA CATÓLICA EM QUEDA DIZ REVISTA ISTOÉ
Quais são os motivos que explicam a galopante queda de fiéis, principalmente jovens e mulheres, no maior país católico
Rodrigo Cardoso
Faz cerca de 140 anos que o número de
católicos no Brasil segue ladeira abaixo. No século XIX, precisamente
em 1872, o conglomerado de brasileiros que se assumia fiel à Igreja
Católica beirava a totalidade da população, 99,7%.
Durante os 100 anos seguintes, a
cada década que se encerrava, aproximadamente 1% abandonava a
religião. O índice dessa queda, atualmente, continua o mesmo. Mudou,
porém, o fato de ele ocorrer a cada ano. Essa aceleração do declínio foi
constatada pela pesquisa “Novo Mapa das Religiões”, realizada pelo
Centro de Políticas Sociais da Faculdade Getulio Vargas.
Ao processar microdados da
Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) produzida pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003 e 2009, os
estudiosos, capitaneados pelo economista Marcelo Neri, constataram que
nesse intervalo de seis anos cerca de 6% da população deixou a religião
romana – decresceu de 73,7% para 68,4%.
O montante de fiéis que segue
atualmente a doutrina preconizada pelo Vaticano é o mais baixo
verificado no País. E, pela primeira vez na história, em alguns Estados e
capitais da maior nação católica do planeta, o número de adeptos da
religião não chega nem à metade dos habitantes (leia quadro).
Quais seriam, então, os
deslizes patrocinadores da queda do status do catolicismo entre os
brasileiros, como as estatísticas não se cansam de mostrar? ISTOÉ
recorreu a um colegiado de profissionais da religião, gente que pensa a
Igreja, para discorrer sobre os possíveis pecados da Santa Madre. Eis
os sete principais confessados.
1 Romanização da Igreja
É cantada em prosa e verso, já
há algum tempo, a rejeição dos fiéis contemporâneos a autoridades
religiosas que impõem doutrinas e ritos. Imposição, obrigação e
restrição são palavras proscritas em um cenário no qual cada vez mais
as pessoas se habilitam a estar no comando do próprio destino.
A Igreja Católica, no entanto,
caminha na direção oposta. Vive um momento de reinstitucionalização de
seus fiéis, de os disciplinar para que aprofundem a sua fé. Os bispos
defendem um contato maior com os bens religiosos, como missas e
novenas.
Esse processo preconizado pelo
Vaticano é conhecido como romanização do catolicismo. “Bento XVI
prefere uma Igreja menor e mais atuante em vez de uma maior sem atuação
coerente e consistente”, afirma o cientista da religião Jung Mo Sung,
da Universidade Metodista do Estado de São Paulo (Umesp). “A estratégia
fortalece o fervor de uma minoria praticante, mas traz uma
consequência não intencional da perda de adesão de católicos difusos.”
Esse efeito-rebote, somado à
procura cada vez maior da população por curas e milagres que resolvam
rapidamente seus problemas, tem levado esses católicos a migrar para
outras denominações ou encorpar o grupo dos que fazem contato com o
divino sem o intermédio de uma instituição.
“A Igreja prefere que as pessoas
que buscam soluções imediatas por meio de milagres não permaneçam
nela”, diz o teólogo jesuíta João Batista Libanio. Diminui-se o número
de católicos, mas, por outro lado, aumenta-se o dos praticantes
conscientes.
2 Supermercado católico
Párocos têm relatado que seus templos estão existindo à imagem e semelhança de supermercados. Percebem que é cada vez maior o número de fiéis que procuram a igreja ocasionalmente, em busca de serviços religiosos como casamentos, missas de sétimo dia, batizados e bênçãos de lugares e objetos.
Párocos têm relatado que seus templos estão existindo à imagem e semelhança de supermercados. Percebem que é cada vez maior o número de fiéis que procuram a igreja ocasionalmente, em busca de serviços religiosos como casamentos, missas de sétimo dia, batizados e bênçãos de lugares e objetos.
Tratado como produto, o
casamento, só para citar um dos “bens” católicos, se torna um evento
alheio à doutrina. “Há casais que trazem o CD da novela que faz sucesso
para tocar na cerimônia. Se você se nega, alguns inconformados batem
boca com você, viram as costas e procuram quem o faça”, conta o padre
José João da Silva, da paróquia São José Operário, em Itaquera, na zona
leste da cidade de São Paulo. “Vivemos uma igreja fast-food.”
Nessa lógica de mercado, missa
de sétimo dia tem se transformado em uma grande assembleia de gente que
só foi ao templo por conta da ocasião e não está preocupada com o
significado do ritual. Quanto aos batizados, explica o cônego Celso
Pedro da Silva, da paróquia Santa Rita de Cássia, do Pari, zona norte
de São Paulo, a Igreja supõe que quem quer que o filho se insira nela
antes do uso da razão o faz porque dela faz parte e aceita suas regras.
“O mesmo vale para a primeira comunhão, mas muitos pais não têm
vínculos efetivos, nem foram casados na Igreja”, diz ele. “Acredito que
uma dificuldade do catolicismo seja saber que o povo católico não é
evangelizado e, mesmo assim, se comportar na prática como se ele
fosse”, diz o cônego. O padre João Carlos Almeida, teólogo e diretor da
Faculdade Dehoniana (SP), foi vigário paroquial no Santuário São Judas
Tadeu, na capital paulista, por três anos. E conta que passava quase o
dia todo atendendo a confissões e abençoando automóveis. “Muita gente
trazia seu carro recém-comprado para ser benzido e ia embora. Poucos
rezavam ou participavam de uma missa”, lembra. Com a oferta religiosa
na vitrine, católicos assistem a seus fiéis se afastando dos vínculos
espirituais.
LINHA DURA
Bento XVI recrudesceu a disciplina, para manter a coerência da doutrina
3 Fuga de mulheres
Está lá no “Novo Mapa das Religiões”.
Entre as 25 denominações pesquisadas, apenas no catolicismo a mulher
não constitui a maioria dos adeptos (leia quadro à pág. 70). Entre
evangélicos, espíritas, religiões de matriz africana, oriental e
asiática, elas superam os fiéis do sexo masculino. As católicas, porém,
são cerca de 67,9%, enquanto os homens são 68,9%. Neri, o organizador
do estudo da FGV, atribui o resultado, entre outras interpretações, ao
fato de as alterações no estilo de vida feminino ocorridas nos últimos
30 anos não terem encontrado eco na doutrina católica, menos afeita a
mudanças. De fato, seguem engessadas na Igreja, só para citar três
tabus, as questões sobre os métodos contraceptivos, o divórcio e o
aborto.
De acordo com o teólogo Jorge
Cláudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC), o catolicismo não gosta da mulher. “Ao que parece, elas,
mal-amadas que são pela Igreja, estão se autorizando a não gostar da
religião, a reagir”, diz ele. Seu colega de PUC, o padre e psicólogo
João Edénio dos Reis Valle, afirma não ter dúvida de que a questão de
gênero pesa na constante diminuição do número de católicos no País.
“Ela pesa em especial nas mulheres de classes mais instruídas e em
melhor posição socioeconômica”, afirma. “Essas não só percebem como
discutem e não aceitam as posições da Igreja em relação a uma série de
questões que as afetam.” E conclui discorrendo sobre a não participação
clerical feminina. “Elas reivindicam um papel novo e ativo na vida da
instituição.”
4 Escândalo de pedofilia
Em 2002, um grupo de mais de 500
pessoas levou à Justiça americana denúncias de abusos sexuais
cometidos por sacerdotes e membros da arquidiocese de Boston, nos
Estados Unidos. Esse escândalo foi a chama que fez arder uma fogueira
de denúncias mundo afora, inclusive no Brasil. Na Irlanda, só para dar a
dimensão do problema, a pedofilia acobertada por seis décadas pela
hierarquia católica local foi tachada pela Anistia Internacional como o
maior crime contra os direitos humanos já registrado na história
daquele país. Para uma instituição que tem como bandeira a verdade
sobre o mundo, ser atingida por problemas éticos que constituem crime
representou um duro golpe. E a mazela dos escândalos de abuso sexual
envolvendo crianças afastou muitos simpatizantes do catolicismo. É o
que defende o cientista da religião Sung. “O militante não terá sua fé
abalada. Mas os que se sentiam católicos por uma afinidade de infância
ou inspirados em alguma figura pública podem ter deixado de ser por
causa desses fatos.”
Para piorar, a Igreja não foi
hábil na cicatrização da ferida. “Ela trabalhou a questão na base do
segredo e do corporativismo. A lógica interna de uma instituição que se
protege e não ventila o problema levou a ampliar o fenômeno,
tornando-o uma sensação nos meios de comunicação”, afirma a socióloga
da religião Brenda Carranza, da PUC de Campinas. Só há pouco tempo
Bento XVI decidiu ordenar que os bispos abrissem normativas internas
contra padres suspeitos de ser pedófilos e informassem as autoridades
civis. Em setembro, ao visitar sua terra natal, a Alemanha, que perdeu
180 mil adeptos no ano passado por conta dos abusos sexuais praticados
por sacerdotes, disse: “Posso compreender que, em vista de tais
informações, alguém diga: ‘Esta já não é a minha Igreja.’”
ÓRFÃOS
Os católicos sentem falta de líderes inspiradores, como dom Paulo Evaristo Arns
5 Ausência de lideranças
Dom Hélder Câmara, arcebispo emérito
de Olinda e Recife, falecido em 1999 aos 90 anos, foi quatro vezes
indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Grande defensor dos direitos humanos
durante a ditadura militar brasileira, homem de vida simples que morava
no quartinho de uma sacristia no Recife, ele foi um expoente
internacional da Igreja Católica. Multidões se mobilizaram ao seu
redor, no Brasil e na Europa, para ouvi-lo. Atualmente, porém, não há
entre o colegiado católico nacional símbolos como dom Hélder, capaz de
cooptar fiéis por meio do exemplo. “Numa sociedade moderna, em que a
adesão à religião acontece por opção pessoal, é preciso que haja nomes
admirados publicamente”, diz Sung, da Umesp. As grandes figuras
católicas da atualidade são os padres cantores. Eles, porém, fazem eco
entre os católicos militantes, explica Sung, mas não são referência
para setores não atuantes do catolicismo. A Igreja deixou de ser
representativa entre os brasileiros como algo a ser admirado há quase
duas décadas. Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal emérito de São Paulo que
lutou contra a tortura e os maus-tratos a presos políticos durante a
ditadura, e uma dessas figuras que inspiraram muitos católicos, se
aposentou em 1998. “Dom Paulo é uma personalidade que enfrentou um
regime militar, criava afinidade entre o povo e a instituição”, afirma o
padre Libanio. Aos 90 anos, Arns vive recluso em Taboão da Serra, na
Grande São Paulo, enquanto sacerdotes empunham microfones para cantar e
fazer coreografias de suas músicas no altar.
6 Comunicação centralizada
Há comunidades dentro do
catolicismo que lançam mão de tecnologias para se relacionar com os
jovens. Elas têm escancarado à Igreja, segundo a socióloga da religião
Brenda, que não é mais possível seguir com a ideia de que o fiel se
encontra na paróquia. Estabelecida em sua maioria em grandes centros
urbanos, essa turma mais nova sofre com o impacto da mobilidade, do
crescimento acelerado, do consumo exacerbado, enfim, elementos que a
fazem estabelecer relação com a crença muitas vezes a distância. Para a
professora da PUC, a noção de participação das novas gerações urbanas é
pautada pela afinidade. O jovem busca uma instituição quando se
identifica com ela, independentemente da proximidade física. “Mas a
noção da Igreja de paróquia é territorial”, diz Brenda. Para o padre
Libanio, enxergar as demandas da população e repensar até onde a
religião pode ir na direção delas é o caminho para o futuro do
catolicismo. “Os fiéis querem aquilo que os satisfaz e têm buscado muito
o mundo virtual”, diz ele. “A Igreja Católica tem de repensar a sua
estrutura paroquial.”
MANCHA
Protesto contra os casos de pedofilia: a Igreja não soube assumir a crise
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7 Perda de identidade social
Houve um tempo, em muitas cidades do
interior do País principalmente, que frequentar uma igreja era condição
obrigatória para quem quisesse engatar um relacionamento amoroso
sério. Quantos garotos não foram riscados por potenciais sogras da
lista de pretendentes pelo fato de não irem à missa? Assumir-se membro
de uma entidade religiosa – católica, de preferência – conferia
pertençer a um grupo social. Diante da pressão para uma definição
religiosa, muita gente tendia a assumir a crença na qual havia sido
batizado, mesmo que exercitasse também a sua fé em terreiros de umbanda
ou centros espíritas. “Católico era o imenso guarda-chuva cultural e
religioso que permitia o trânsito espiritual”, diz Brenda Carranza, da
PUC. Com a disseminação do processo de secularização no campo religioso
nacional, essa prática foi ficando obsoleta. A possibilidade de
expressar a fé livre de preconceitos tem feito com que cada vez mais os
brasileiros, quando submetidos a censos, assumam que não seguem os
dogmas defendidos pela Santa Sé ou mesmo nenhum credo – daí o grupo dos
sem-religião também estar em crescimento. O catolicismo, então, perdeu
a status de produtor de identidade social.
FONTE: ISTOÉ 08/10/2011
Um comentário:
na casa do meu pai a muitas moradas. mais poucos restaraõ
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