
Para uns somos 20,2%,
ou cerca de 40 milhões de pessoas. Outros falam em 51,1 milhões. Os
mais otimistas falam que em 2020 seremos mais da metade da população, ou
cerca de 105 milhões de almas.
Por Marcos Stefano
A velha máxima de que os números não mentem pode estar com os dias
contados. Pelo menos, no que diz respeito a estatísticas sobre religião
no Brasil. Contrariando as últimas pesquisas sobre a fé no país, que
apontam os evangélicos como sendo 20,2% da população – ou menos de 40
milhões de pessoas –, diversas denominações apostam em um panorama mais
otimista, no qual os crentes já seriam atualmente 51,1 milhões. Dizem
mais: que, caso se mantenham as atuais taxas de crescimento do segmento
cristão evangélico, os crentes em Jesus serão, já em 2020, mais da
metade da população brasileira, o que equivaleria a 105 milhões de
almas. Números evangelásticos (termo
cunhado para se referir aos constantes exageros dos crentes) à parte,o
certo é que organizações que se dedicam a estatísticas religiosas
trabalham com números que apontam uma maioria religiosa protestante no
Brasil em apenas dez anos.
O cálculo é feito por organizações como o Departamento de Pesquisas da
Sepal (Servindo Pastores e Líderes) e o Ministério Apoio com Informação
(MAI), levando em conta a taxa de crescimento que os evangélicos tiveram
nas últimas décadas, sobretudo a de 1990. As projeções têm como ponto
de partida os Censos periódicos do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Pelo levantamento de 1991, por exemplo, sabe-se que
os evangélicos eram 13 milhões naquele tempo, ou 8,9% da população
brasileira. Nove anos depois, em 2000, já haviam dobrado de tamanho,
passando a ser 26, 1 milhões, 15,45%. “Se o crescimento anual se
mantiver nesses patamares, de cerca de 7,4% ao ano, poderemos ter, sim,
mais de 50% da população brasileira composta por evangélicos”, aponta o
pastor Luis André Bruneto, ligado ao Departamento de Pesquisas da Sepal.
“Tudo bem que a tendência mais para frente é que esse aumento venha a
se estabilizar. Mas, levando-se em conta a taxa de crescimento anual dos
evangélicos, que é mais de três vezes o da população do país em geral,
podemos dizer que hoje um em cada quatro brasileiros é protestante”,
confirma a matemática Eunice Zillner, do MAI.
Em relação às disparidades de números com um dos últimos levantamentos
feitos, o Mapa das Religiões da Fundação Getúlio Vargas (FGV), baseado
nos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, Bruneto aponta que
essa classificação pode ser imprecisa.
O estudo destaca uma estabilidade do crescimento pentecostal, que fica
em 12% do total da população, um pequeno crescimento das denominações
históricas, que passam de 5,39% para 7,47%, e um forte aumento daqueles
que se dizem evangélicos, mas não estão em nenhuma denominação
específica. “Essas nuances já eram esperadas quando comparadas as
mesmas curvas estatísticas entre os censos de 1980 e 2000. Por outro
lado, o Mapa das Religiões coloca as quase 200 classificações batistas
como ‘históricas’, quando a maioria desse grupo deveria ser classificada
como ‘pentecostal’. Em contrapartida, a Universal do Reino de Deus, que
sofre grande concorrência, é tida também como ‘pentecostal’ – mesmo
grupo no qual foram incluídas as Testemunhas de Jeová no estudo”,
critica.
Apesar deste e outros notáveis equívocos, o Mapa das Religiões também
confirma o que diversos estudiosos do fenômeno religioso brasileiro já
vinham falando: o crescimento econômico e as melhores condições sociais e
educacionais no Brasil favoreceriam uma migração de fiéis para igrejas
históricas, conhecidas pelo ensino bíblico mais profundo e pela
organização eclesiástica que favorece maior participação dos membros,
inclusive em termos administrativos. Já o aumento explosivo dos
evangélicos, hora ou outra, acabaria levando a um processo de
secularização, com o surgimento de crentes apenas “nominais”. Ou seja, é
gente que se identifica como protestante por ter nascido ou feito parte
de uma denominação, mas agora não frequenta mais a igreja.
PADRÕES HISTÓRICOS
Tais nuances fazem com que muita gente fique com a pulga atrás da orelha
com previsões muito otimistas neste aspecto. Mesmo trabalhando com os
números, o próprio Bruneto é um que recomenda cautela. “Não se tratam de
dados reais. São apenas projeções e perigosas”, observa. Como se está
lidando com pessoas, e não com uma ciência exata, é bom deixar claro que
a dinâmica populacional é muito intensa e que disparidades e mudanças
dificultam a concretização de muitas previsões. Um bom exemplo é o
surgimento do secularismo e a queda do crescimento de qualquer religião,
comuns após a terceira ou quarta gerações dos convertidos. Exemplo
disso acontece na Região Sul, justamente onde aportaram os luteranos,
primeiros protestantes a chegarem ao Brasil como grupo organizado, a
partir de 1824, com a imigração germânica. No Rio Grande do Sul, é
possível encontrar a cidade mais evangélica do Brasil, Quinze de
Novembro, com 80,4% de crentes, a apenas 20 quilômetros de uma das menos
evangélicas, Alto Alegre, com 0,28% de protestantes. Outro caso é
Timbó, em Santa Catarina. Lá, a Igreja Luterana tem mais de 15 mil
membros, mas apenas 40 pessoas participam de seus cultos a cada domingo.
“Não existem estudos sérios e estatísticas confiáveis que nos permitam
acreditar que o Brasil terá maioria evangélica em uma década”, sentencia
o sociólogo Paul Freston, professor catedrático de religião e política
na Wilfrid Laurier University, no Canadá, e colaborador na pós-graduação
em sociologia na Universidade Federal de São Carlos (SP). Ele defende
que, para fazer uma conta mais próxima da realidade, é necessário
considerar os padrões históricos de crescimento dos evangélicos a partir
dos anos 1950 e não somente na década de 90, quando houve um “pulo”.
“Tempos atrás, também falaram que alguns países da América Central
teriam a maior de parte de suas populações composta por evangélicos
ainda antes da virada do milênio. Claro, isso não se confirmou. Se uma
religião avança, outras respondem para frear a perda de fieis”,
argumenta o estudioso.
Freston, que é evangélico, diz que já foi considerado um homem sem fé
por causa de suas posições mais conservadoras, mas prefere optar por
estimativas que considera mais realistas. “Se o crescimento não
continuar tão acelerado, os evangélicos terão fracassado? De forma
alguma”, ressalva. “A se confirmar o maior crescimento dos tradicionais,
devemos levar em conta que, durante 25 anos, pentecostais e
neopentecostais estiveram na linha de frente do avanço evangélico no
Brasil. Mas essa perda de vigor também precisa ser melhor analisada. O
processo pode mostrar uma perda de capacidade de diálogo dos evangélicos
com a sociedade. E isso pode trazer consequências ruins a longo prazo”,
alerta. Até a divulgação dos números definitivos do Censo 2010, que se
promete para o ano que vem – e mesmo depois disso, já que eles parecem
tão inconclusivos –, muita água vai correr sob essa ponte.
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