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Para estudioso, missionários do sul do planeta superam declínio do cristianismo na Europa |
Quando os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil, em
1549, comandados pelo padre Manuel da Nóbrega, o país era um vasto
território a ser colonizado e catequizado.
Mais de quatro séculos depois, o movimento de
catequese vai hoje no sentido contrário: o Brasil se tornou um
significativo "exportador" de missionários cristãos para o mundo,
apontam estimativas de um recém-publicado estudo norte-americano.
E isso é parte de uma tendência de fortalecimento do cristianismo no
sul do planeta, enquanto a Europa caminha para a secularização, explica o
autor da pesquisa, professor Todd Jonhson, do Centro de Estudos do
Cristianismo Global da Universidade Gordon-Conwell.
Segundo cálculos de Johnson, 34 mil missionários
brasileiros foram enviados ao exterior em 2010, quantidade inferior
apenas à dos evangelizadores norte-americanos, que somavam 127 mil.
O número de brasileiros é inédito, explica
Johnson à BBC Brasil. Representa um aumento de 70% em relação ao ano
2000 (quando o país tinha cerca de 20 mil missionários no exterior) e
tende a crescer.
"A quantidade de missionários enviados pelo Sul global supera o declínio (do cristianismo) na Europa", diz o estudioso.
"No caso da América Latina e do Brasil, isso se
justifica por um senso maior de responsabilidade pelo mundo exterior,
pela estabilidade econômica, por suas conexões de idioma com a África e
por um desejo de oferecer uma evangelização que, diferentemente da
praticada pelos EUA, não carrega o fardo de invasões."
Johnson explica que o estudo inclui todos os grupos cristãos, de
católicos romanos a protestantes, pentecostais e igrejas independentes.
Ele ressalta que o número é uma "estimativa aproximada", já que muitos
dos missionários não estão ligados a grandes congregações, e sim a
pequenos grupos autônomos e difusos.
Vida em Moçambique
Entre eles está a família de Marcos Teixeira, 36
anos, que desde 2007 atua como missionário em Moçambique pela Igreja
Evangélica Congregacional de Bento Ribeiro (RJ).
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Leia mais: ‘Fomos chamados para dedicar nossas vidas’, dizem missionários na África
Ele contou à BBC Brasil que, nos últimos quatro
anos, sua família construiu uma escola para crianças de três a cinco
anos e uma escolinha de futebol para meninos de 9 a 17 anos. Eles também
acompanham pacientes portadores de HIV.
Sua rotina é contada no blog
familiamatriju.blogspot.com (o nome é uma combinação de sílabas dos
nomes dos integrantes da família, formada, além de Marcos, por sua
mulher, Patrícia, 33, e seus filhos Juliana, 8, e Carlos Eduardo, 1,
nascido em Moçambique).
Evangelizadores desde 2003, Marcos e Patricia
dizem que anos antes já sentiam um "chamado" para ir à África, ao ouvir
notícias sobre a guerra em Angola. Também já passaram por África do Sul e
Bolívia. "Ainda não fomos a Angola, mas aprendemos a amar o povo
moçambicano."
Passado colonizador
O estilo missionário da família se insere no que
Todd Johnson descreve como a principal mudança no cenário da
evangelização: "Antes, era uma ação que saía de um poder colonial rumo a
uma colônia" - de Portugal ao Brasil, por exemplo. "Atualmente, quase
toda a prática missionária não se encaixa mais nisso."
Para Jorge Cláudio Ribeiro, professor do
Departamento de Ciências da Religião da PUC-SP, as missões vão no rastro
da própria imigração brasileira e latino-americana.
"Muitos migrantes latinos mantêm o catolicismo
nos EUA. Em geral, (os missionários) já buscam uma comunidade específica
em que atuar. Vão atrás de uma freguesia", diz.

Casal Marcos e Patrícia sentiam um 'chamado' para atuar na África
Mesmo no atual período pós-colonial, ele opina
que as missões ainda seguem sendo uma força política, que lança mão de
"enviados" para evangelizar pessoas de outras religiões. "Além disso, é
uma atividade econômica, uma fonte de emprego."
Johnson também vê laços econômicos com a
atividade missionária. "Pode ser uma atividade rentável para as igrejas
que estimulam as doações e para os chamados ‘grupos de prosperidade’
(igrejas baseadas na Teologia da Prosperidade, movimento que prega o
bem-estar material do homem)."
Dificuldades
Para a família evangelizadora de Marcos
Teixeira, porém, os recursos são escassos. "Sem (apoio) contínuo,
vivemos com muitas dificuldades, tiramos sustento do que a igreja nos dá
para viver em Moçambique. Muitas vezes tiramos das nossas compras para
suprir as necessidades dos nossos programas, porque a maioria das
crianças (atendidas) só se alimenta das refeições que oferecemos."
As dificuldades também foram de adaptação no
país do leste africano. "Quando chegamos a Moçambique, sofremos roubos,
nossa casa era invadida constantemente. Deu vontade de desistir, mas
sempre sentíamos Deus nos fortalecendo", disse Marcos por e-mail.
Ele também se preocupa com o futuro da filha
mais velha, Juliana, por achar a educação precária no país africano.
Acha que ficará ali por mais dois anos, mas pensa em dar continuidade a
seus projetos. "A maior alegria é deixar (pessoas locais) qualificadas
para desempenhar o papel que a gente se propôs a desenvolver."
Indo além do legado, Todd Johnson opina que os
missionários cristãos em missão no exterior também devem respeitar
lideranças locais.
"Uma área potencial de conflito é o
paternalismo, a ideia de que 'essas pessoas (locais) não são maturas o
suficiente para liderar sua igreja'. É uma atitude similar ao
colonialismo."